Por medo ou comodidade?
No mundo capitalista, o aumento da capacidade de consumo é um dos indicadores de sucesso individual. Se eu antes só podia comprar aquele cachorro-quente da esquina e andar de ônibus, mas agora tenho condições de lanchar no McDonald’s e pagar Uber, é porque as coisas estão dando certo. Isso considerando os parâmetros de um cidadão comum, de classe média.
Quais as motivações que levam a tal elevação dos padrões de consumo? A resposta mais comum aponta para a cultura disseminada por grandes empresas por meio de propaganda e marketing.
É bem mais vistoso ir de carro àquela nova sorveteria de paleta mexicana no shopping refrescado pelo ar condicionado do que caminhar até a do bairro para tomar uma casquinha sob o sol escaldante.
No entanto, a preferência pela opção mais chique não é movida só pela comodidade e status. Há um outro elemento, ora subjetivo, ora explícito: o medo.
Quem vive na cidade, já viu notícia, conhece alguém ou vivenciou um assalto na lanchonete ou no ponto de ônibus. Além do incentivo de “subir na vida”, o trauma da violência é outra razão para repudiar os hábitos de uma vida humilde.
Agora eu não quero um carro só pelo conforto de se locomover sentado, mas também para evitar a adrenalina de esperar pelo ônibus e receber uma moto com dois indivíduos armados pedindo o celular e a carteira. Também prefiro o ambiente selado do shopping porque entendo que o máximo que pode acontecer durante o fast food é uma dorzinha de barriga.
Até existem riscos nesses ambientes, mas são menos óbvios. Não preciso gelar o coração toda vez que alguém suspeito se aproxima.
Depois que vira hábito, esqueço as razões que motivam minhas escolhas. Só ajo e pronto. Por isso, refleti sobre por que parei de ir a locais mais simples e passei a praticamente só andar motorizado. Felizmente, agora eu tenho um pouco mais de condição financeira para bancar esses confortos. Mas são por medo ou comodidade?