Eu ia escrever uma crônica sobre valorizar o que temos…
Na época uma pessoa querida teve um problema de saúde que a deixou internada. As constantes visitas ao hospital levaram à natural reflexão sobre o despercebido privilégio de viver livre o cotidiano e desfrutar tudo o que temos.
Cada respiração completada era uma vitória. Cada prato de comida finalizado, uma conquista. Cada notícia adiando a morte, uma dádiva científica e celeste.
Precisava de tanto para darmos valor às coisas?
Aquilo me inspirou a escrever sobre o tanto que temos e não valorizamos. Mas como demorei demais e a paciente se recuperou, perdi o calor do momento.
A dualidade entre doença e saúde já não era evidente a ponto de abrir meus olhos para a beleza diária da vida. Nossa rotina de caprichos e reclamações parecia ter tomado conta novamente.
O ser humano tende a usar relações de oposição para construir, perceber e entender o mundo à sua volta. Existe o grande porque há o pequeno, doce porque tem amargo, bonito por causa do feio.
Nessa mesma lógica, só valorizamos o brilho da luz quando surge no escuro, o amor, diante da indiferença, e o sabor, frente à fome.
Contudo, não precisa ser sempre assim. Se entendermos essa tendência, a controlamos.
É possível amar pela essência, sem parâmetros opostos para evidenciar o valor daquilo.
Quando perdi a inspiração para escrever a primeira crônica, percebi isso. Uma lição quase tardia. Agora consigo escrever esta sobre valorizar o que temos.