Acho que perdi minha capacidade de contemplação
Quando era criança, adorava contemplar gravuras. Meu pai tinha um disco (vinil mesmo!) da banda britânica Sigue Sigue Sputinik, cuja capa era o desenho de um robô. Ficava por horas visualizando aquele humanoide e seus jatos de fogo. A cada olhada, atribuía um significado diferente, descobria um detalhe escondido, sentia uma sensação nova. Naqueles tempos analógicos, aquela capa era uma das poucas ilustrações de robô que eu tinha disponível.
Hoje posso acessar milhares — senão milhões — de imagens de robôs instantaneamente, a poucos cliques de distância, mas não tem a mesma graça. Quase todo dia abro galerias no Reddit com imagens estupendas de artistas e fotógrafos do mundo inteiro. No entanto, tudo o que faço é correr o cursor rapidamente, sem olhar direito. Não há contemplação nessa era digital.
É por que não tenho mais tanto tempo disponível quanto na infância? Será que o estresse do dia a dia me tirou o entusiasmo de contemplar uma imagem? Ando sobrecarregado de pensamentos que impedem o exame detalhado dessas figuras? A culpa é do excesso de conteúdo on-line disputando minha atenção?
Ufa! Já estava ficando acelerado de novo.
Muitos são as causas que explicam a perda da capacidade de contemplação. Aliás, será mesmo que a perdi totalmente? Ou só não a estou usando devido à soma dos fatores citados? Se esse importante atributo apenas adormeceu em mim, significa que posso despertá-lo.
Deveria conseguir mais tempo livre? Que tal aliviar o estresse? E esvaziar a mente? Talvez ver menos conteúdo on-line? Tudo isso é válido, porém combate somente os sintomas.
A questão não é só voltar a contemplar imagens como antigamente. É reaprender a viver no presente, conseguir observar a perfeição de cada ser e objeto, encontrar alegria em experimentar o mundo com meus sentidos.
Ainda viverei muitos momentos de falta de tempo me apressando, estresse me desmotivando, pensamentos me desconcentrando e excesso de conteúdo me distraindo. Isso tudo faz parte da modernidade. Só não precisa reger minha vida.
Então, ficar deslizando o dedo pelo feed do Reddit, Instagram ou Facebook sem de fato prestar atenção em nada é só um indicador da minha ausência, não é um atestado de óbito da atenção. Ainda há esperança. Ainda tenho a capacidade de contemplar. Às vezes ela dorme, mas no meio dessa confusão digital, estou aprendendo a mantê-la acordada.
Crônica originalmente publicada em http://guilhermeludwig.com